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quinta-feira, abril 20, 2006

Vida é isso:

Cada vez mais amo Adília. Amo poder a cada momento descobrir um maravilhoso poeta que me abre as janelas e portas. Dessas almas poucos entendem e pouco se entende. Fazem pouco caso das suas antenas ligadas, sincronizando verdadeiros mundos paralelos. A arte, a beleza, a busca por elas, a convivência, a tentativa de chegar nesse terreno são um oásis na escuridão. Resumiria o que sinto nos últimos versos do poema da Adília, quando ela fala acreditar que no céu existirão bibliotecas, onde possamos ler e escrever. E isso é tudo de epifania, algo que quem não entende não pode ser esclarecido, e quem entende talvez se privilegie num mundo tão simulado como esse que nos rodeia.

quarta-feira, abril 19, 2006

Canivete

Maio se antecipa e o frio que faz lá fora se agrava nessa casa grande pelos espaços, enchendo lacunas, corredores, invadindo janelas vedadas em vão. Maio se antecipa com seu vento gélido e chuva fina. Ela corta, machuca as janelas, bate no parapeito com jeito de ferro, faísca.

O frio de maio se antecipa, invade as entranhas, lacunas de pés, espaços das vísceras. Fecho os olhos, a porta, o ventre, as cortinas, à chave. Nada impede que me corte como canivete. Ferida aberta. Ao sair, levo um cachecol. Mas não perdôo os jogos de maio, que conheço de outras antecipações.

terça-feira, abril 18, 2006

Olhar a chuva às vezes faz bem.
Sentir a chuva, pisar na água deixada em buracos do asfalto.
Jogar as dores por entre os vãos dos riscos da água que cai do céu. Forjar dores imaginadas.

Visitar pessoas desconhecidas às vezes faz bem.
Olhar fachadas que nunca se viu, lugares onde não se esteve.
Cumprimentar com ar solene, agradecer, limpar os pés na gastura do tapete.

Dizem que antes da morte devemos visitar lugares e contemplar a chuva.

Eu digo que se deve contemplar a chuva, ler livros, imaginar tons solenes de cumprimentos e assistir a bons filmes como "O carteiro e o poeta", além de observar com afinco as formas de poemas postas num papel.

sexta-feira, abril 07, 2006

Mulheres da minha vida II

Não gosto tanto
de livros
como Mallarmé
parece que gostava
eu não sou um livro
e quando me dizem
gosto muito dos seus livros
gostava de poder dizer
como o poeta Cesariny
olha
eu gostava
é que tu gostasses de mim
os livros não são feitos
de carne e osso
e quando tenho
vontade de chorar
abrir um livro
não me chega
preciso de um abraço
mas graças a Deus
o mundo não é um livro
e o acaso não existe
no entanto gosto muito
de livros
e acredito na Ressurreição
dos livros
e acredito que no Céu
haja bibliotecas
e se possa ler e escrever

(LOPES, Adília. Florbela Espanca Espanca. 1999 - retirado da Antologia, sua única publicação no Brasil, pela editora 7 letras em 2002)

[NOTA: Eu queria ter escrito isso]