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quarta-feira, março 21, 2007

O objeto poema (uma talvez resposta?)

IX.

O poema é antes de tudo um inutensílio.

Hora de iniciar algum
convém se vestir roupa de trapo.

Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.

Faz bem uma janela aberta
uma veia aberta.

Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema
enquanto vida houver.

Ninguém é pai de um poema sem morrer.


[Manoel de Barros. Sabiá com trevas (fragmento) In: Arranjos para assobio]

quinta-feira, março 15, 2007

Eterna busca (ou coisas óbvias demais para que os olhos possam ver)

Não sei mais o que é poesia.

Poesia pode ser uma lista de compras, um bilhete de recados, um texto despretensioso, um fragmento de diário, uma nota em um caderno? Pode ser um nome atbitrariamente inventado, uma mensagem enviada em carta, um jogo de palavras, palavras pintadas num muro, uma mera imagem diante de nossos olhos? Às vezes é o que me parece.

Poesia seria o que se pensa poesia por situar-se em determinado(s) contexto(s)? Ou seria o que se pensa poesia por critérios totalmente arbitrários? Ou, ainda, poderia ser o proposital exercício de jogar com palavras, manipular a linguagem? A única certeza acerca disso me parece dizer respeito ao efeito estético produzido por essa manifestação que chamamos poesia.

Mas não podemos sentir esse efeito numa nota de caderno, numa carta, num bilhete, numa lista, num texto despretensioso, num pedaço de um diário, nas palavras de um muro, em um nome inventado, numa imagem diante dos olhos? Acredito que sim. Que é plenamente possível encontrarmos tal efeito em todos os elementos citados. Em qualquer coisa existente, porque basta sentir. Mas, então, de onde vêm os julgamentos, as pretensas verdades, os juízos afirmativos? Quem inventa no mundo o que é arte?

Escrever parece algo que desaprendi, e quanto mais se tenta aprender, compreender alguma lógica do processo, a sensação que predomina é a de se estar tentando entrar num circuito, caber em algo que não sabemos se nos cabe... E é nessa hora que o que se diz poesia me parece ter por trás de si aquilo que chamamos de... ideologia (não é assim com todo o discurso - já nos disse Bakhtin?)

quinta-feira, março 08, 2007

Das descobertas

Descobri que continuo odiando
Descobri que continuo amando
Descobri que sol + cabelo preso = dor de cabeça no fim do dia
Descobri que poemas meus + desenhos do Braga e do Daniel = trabalho muito interessante
Descobri que tenho potencial
Descobri que sobre a vida eu sei muito pouco, sobre o amor um pouco mais
Descobri que com certas pessoas a gente sente muita paz
Descobri que Hilda Hilst foi uma escritora sensacional
Descobri que também simpatizo com cadernos pequenos para cadernos terapêuticos
Descobri que o carnaval pode ser algo muito divertido
Descobri que o aquecimento global vem atingindo algumas garrafas de coca-cola
Descobri que ainda existem boas conversas sobre assuntos cansativos
Descobri o valor do trabalho voluntário
Descobri que afinidade não termina nunca
Descobri que Neosaldina faz bem ao humor
Descobri uma nova amizade do sexo feminino
Descobri uma pessoa que não sei o nome
Descobri que o verde, vermelho e branco são mesmo as cores favoritas
Descobri que Caetano Veloso é de fato um grande artista
Descobri que tirar o primeiro lugar não significa quase nada
Descobri que consigo ser menos autoritária
Descobri que gosto de dicionários
Descobri que gosto de anel de côco
Descobri que certas pessoas não merecem o meu respeito
Descobri que é muito divertido aprender francês
Descobri que a liberdade é difícil, mas essencial
E que de tudo que existe e acontece, nós muito pouco podemos controlar

segunda-feira, março 05, 2007

Da vida

"O mundo já não era ali. Estava em outro lugar. É preciso entender que cada um verá coisas que ninguém mais poderá ver. E que nelas residem as suas razões. Cada um verá as suas miragens. (...) Queria ver as ilhas do Pacífico Sul, a ilha encantada de um filme, as gotas de prata de um amor proibido. Não sei o quanto conheceu dele, muito mais que eu, não tenho dúvidas, mas seria demais lhe dizer que o dr. Buell, meu amigo, bebeu comigo e me contou que procurava entre os índios as leis que mostrariam ao mesmo tempo o quanto as nossas são descabidas e um mundo no qual por fim ele coubesse? Um mundo que o abrigasse? A gota de prata de um tabu."

"O sonho de uns é a realidade dos outros. E o mesmo pode ser dito dos pesadelos. (...) O sonho é um ponto de vista. É um lugar de onde se vê."


[CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Cia das Letras, 2002, p. 48]